Ferruccio Lamborghini, asism como você e eu estava em um mundo tomado por aparências, leviandade e valores passageiros, autenticidade é uma palavra que nunca sai de moda. São poucos, porém, os capazes de movê-la da lista de adjetivos almejados para a de verbos conjugados.
A boa notícia é que, como poucos sabem conjugá-la, aqueles que se arriscam já estão a um passo do sucesso, tanto na vida pessoal quanto na hora de dar vida a uma empresa.
Veja bem: o senso comum diz que o objetivo de uma empresa é lucrar. Isso faz tanto sentido quanto dizer que o objetivo do homem é respirar. Respirar, assim como lucrar, é o que mantém a máquina funcionando. Não é, porém, o motivo pelo qual a máquina deseja continuar respirando. Mais do que simplesmente respirar, o objetivo de uma empresa pode ser melhor definido como o desejo de servir a um propósito e expressar um sonho.
De todas as empresas de sucesso, independente de números indicativos de tamanho ou faturamento, todas podem ser reconhecidas por uma métrica em comum: o valor de suas visões. Isso é o que as torna capazes de conjugar autenticidade e as distingue de todo o resto.
Uma história que ilustra bem essa teoria foi a de um senhor chamado Ferruccio Lamborghini.
Entre tratores, touros e italianos turrões
Tudo começou na Bota da Europa. Após servir como mecânico da força aérea italiana na Segunda Guerra, Sr. Ferruccio – Signore Lamborghini, para os chegados – retornou à terra natal e enxergou uma oportunidade na fabricação de tratores, utilizando sua habilidade em mecânica e peças encalhadas nos armazéns com o fim dos esforços de guerra italianos.
Pelos idos dos anos 50, a Lamborghini Trattori S.p.A. já havia se tornado a maior do país. Os negócios iam bem, o que permitiu ao nosso amigo voltar sua atenção para uma paixão latente. Não, não era pela professora boazuda do colegial, caro leitor. Sua paixão era por carros, daqueles velozes e luxuosos. Passaram por sua garagem Alfa Romeos, Lancias, Maseratis, Mercedes e até mesmo Ferraris, que considerava bons carros, apesar de muito barulhentos e desconfortáveis para carros de rua.
Reza a lenda que um dia, insatisfeito com a rigidez e alta manutenção da embreagem de sua Ferrari 250GT, peregrinou como um fiel cliente até Maranello para ter com o Sr. Enzo, munido de seu conhecimento em mecânica. Para sua surpresa, teria sido recebido com descaso pelo dono da vermelhinha, com o comentário de que “Não se fazia necessária a opinião de um construtor de tratores”.
Em vez de dar o beijo de Judas e marcar o Sr. Enzo de morte, nosso italiano turrão preferiu por uma alternativa mais construtiva: faria um carro melhor que a Ferrari, de acordo com sua visão do que seria um gran turismo ideal. No lugar do cavalo rompante, adotaria como símbolo o touro Miura – animal que o fascinara na visita a um tradicional rancho de criação de animais para touradas, em Sevilha, Espanha.
O resto é história. Guiado pela paixão por carros e crença no trabalho artesanal, herança da vinicultura na fazenda dos pais, foi capaz de por a fábrica para funcionar, ainda que produzindo na casa das dezenas e vendendo com prejuízos de início, para alcançar a visão proposta: construir um carro veloz, luxuoso e confortável, superior a Ferrari.
Vão-se os anéis, ficam os dedos
Desde então, produziu os primeiros modelos aclamados pela mídia especializada, o 350GT e o 400GT, e posteriormente modelos de boa vendagem como os Miura, Countach, Diablo, Murciélago e Gallardo. A fábrica passou por duas crises financeiras, sendo adquirida pela Chrysler em 1987 (que introduziu a marca nos EUA) e depois pela AUDI AG, em 1998.
Por mais que a empresa tenha sempre estado muito próxima de quebrar financeiramente, o que de fato ocorreu nos períodos de depressão econômica, que derrubava as vendas no segmento de carros esportivos, isso não diminuiu o maior patrimônio que a empresa possuía: a visão de seu fundador que lhe confiava autenticidade, valor subjetivo e intraduzível em cifras como as investidas por Chrysler e AUDI AG.
Essa autenticidade tornou possível continuar produzindo com qualidade e mantendo sua identidade até hoje, mesmo após tantas aquisições, mesmo depois de não estar mais sob os olhos do idealizador.
Quanto ao Sr. Ferruccio, cansou de lidar com as crises financeiras da fábrica, mudou-se para o interior da Itália, casou-se novamente aos 58 anos, teve uma filha e curtiu o resto da vida produzindo seus vinhos até falecer em 1993, aos 76. A marca que leva seu nome, no entanto, ainda respira e tem vida própria, com o compromisso de perpetuar a visão de seu fundador.
Este é o verdadeiro valor daquilo que é autêntico: nunca morre.